Para o Leão que acompanha o Centauro
O céu estava cinza e o piso molhado quando coloquei porta à fora duas malas cheias de borboletas no estômago e camisetas de times de futebol. Eu não quis me despedir dos moinhos de vento além do mar. Eu não quis caminhar pela mesma avenida dos últimos três meses. Eu não tinha para quem dizer adeus. Os prédios não sentiriam a minha falta.
Deixei para trás, debaixo de todas as pedras na praia de Brighton, as visitas de finais de semana, aquele velho coração e as luzes do píer. Os cafés seriam tomados em outras esquinas, os raios de sol se tornariam flocos de neve, as tardes sentada à beira mar ouvindo Dermot Kennedy cantar Outnumbered se transformariam em caminhadas pela floresta em Oslo.
A viagem até o aeroporto durou uma hora e meia, minha mente apressada acompanhava a paisagem ao redor, o céu se coloriu e desbotou tantas vezes que acabei cochilando sentada no banco de trás. Dos meus fones de ouvido as vozes de Noah Gundersen e Dermot Kennedy explodiam em memórias dos dias que não voltariam mais, dos dias que não me deixariam saudade.
Direita. Esquerda. Os olhos do motorista atentos às placas de informação. Novamente à direta, novamente à esquerda e lá estava ele, o aeroporto. Tão pequeno que fiz piada sobre, dizendo que o Brexit havia interrompido as obras e por isso eles não tinham espaço para os aviões. Londres é uma cidade grande e eu escolhi o menor aeroporto para deixá-la.
O meu voo estava previsto para as 6 da tarde e ainda eram dez da manhã. Eu estava tão ansiosa para deixar aquela cidade que não me importei em esperar por horas sentada em uma cadeira fria. Comi algumas castanhas do pacote que eu sempre carregava comigo, enviei mensagens para minhas amigas e liguei para você. Observei todas as pessoas ao redor e me perguntei quantas delas também queriam um amor em câmera lenta, um amor que atravessasse fronteiras aos finais de semana.
Vozes nos alto-falantes anunciaram que havia chegado a minha hora. Virei à esquerda, subi alguns degraus, passei pelo detector de metais e avistei o portão de embarque. Eu estive ansiosa por aquele momento desde o dia em que eu disse sim para nós dois. Eu fiz e desfiz minha mala várias vezes por dia durante vários dias, tentando escolher cuidadosamente o que faria parte da minha nova vida. Mas eu esqueci de guardar na mala os tremores das minhas mãos.
Eu tinha os meus bilhetes, eu tinha o meu celular, uma pequena mala e o peito cheio de incertezas. Minhas mãos tremiam tanto que meus dedos não conseguiam encontrar as letras no teclado do celular. Eu não quis falar com você, isso apenas me deixaria mais nervosa. Então eu mandei mensagens para a minha melhor amiga dizendo sobre o quanto as minhas mãos tremiam e o quanto eu tinha medo de algo dar errado. Eu nunca senti medo como naquele dia, ali, em pé na fila de embarque. A atendente da companhia aérea checou o meu bilhete e me desejou boa viagem.
Eu pude respirar novamente, eu nem percebi que eu não estava respirando. Caminhei apressada para o avião, se eu pudesse correr, eu teria feito. No meio do caminho eu percebi o arco-íris. Era tão nítido e colorido que parecia um desenho. Eu que sempre fui tão intuitiva e crente de que o universo nos envia sinais, automaticamente relaxei e tirei uma foto, é claro.
Em pé na pista de colagem, eu me senti livre. Como um arco-íris através do céu, eu estava vivendo por mim mesma, totalmente livre. Literalmente um arco-íris em meio ao caos. Eu não precisava de mais nada para saber que daria certo. Entrei no avião com a certeza de que o para sempre é ilusão, mas com a delícia de saber que dias melhores estavam próximos e que eu não estava mais em menor número.
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