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Mostrando postagens de novembro, 2020

Salvo Pela Metade

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Você está nu, seu corpo parece exatamente como me lembro,  como um felino se movendo ao redor da presa.  Na posição exata da nossa primeira vez.  Você se esguia sorrateiramente  como conversas de travesseiro,  meu coração perde o ritmo, ou talvez seja só a minha respiração.  Espero você fechar os olhos, mas você está se movendo sem se mover. Nada está calmo, nada está certo,  nada está claro, nada faz sentido.  Eu ainda quero, ainda espero. Eu te observo quando você não pode ver.  Dedos segurando o cigarro,  o jeito como seus lábios seguram a fumaça,  o meu ar. Seus lábios... Oh, seus lábios.  Eu te devoro,  morreria na ponta da tua língua para tocá-los vezes infinitas.  Você os umedece,  minha boca fica seca.  Você toca um lábio no outro,  eu estou molhada.  Sao os seus lábios e o jeito que você sorri, meu ponto fraco.  Abro meus olhos,  você está de olhos fechados.  O rosto levemente virado para a esquerda, perfil ainda visível.  Posso ver seus lábios,  o coração que é a chave para c

Amigo Imaginário

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Tive pesadelos, daqueles que me atormentam durante todo o dia. Aqueles costumeiros pesadelos que você sabe tão bem. No sonho, um homem armado tentou me estuprar. Não era um desconhecido, mas não sei dizer quem era. Ele estava aqui no apartamento, era um amigo íntimo. Ele tinha as chaves e não bateu à porta para entrar. Estava bêbado e com um revólver preto na mão.  Ele me olhava estranho, olhar de animal que observa a presa. Como se desperto do transe, sem dizer palavras, caminhou em direção a sala à procura dos discos de vinil. Enquanto ele procurava a canção certa em meio a tantas opções, simplesmente deixei pra lá, tirei minhas roupas e fui para o banho.  Sorrateiro, ele se aproxima, bloqueando a porta. Ele diz alguma coisa que não consigo ouvir, meu olhos e minha atenção estão focados na arma que se move em todas as direções com os gestos que ele faz com a mão. Então ele diz “estarei na sala, esperando você terminar.” Apressada, tranco a porta. Ele retorna, exige que a porta seja d

Nada Está Perdido

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Não durmo bem há alguns dias.  Honestamente, nunca dormi bem, mas há momentos de altos e baixos. Estou inquieta, muitos pensamentos rondando, muitos sentimentos aflorando. O último mês tem sido intenso e, às vezes, sinto que só as músicas de Noah Gundersen e a minha playlist de músicas para sentir não tem sido o suficiente pra deixar minhas emoções fluírem. Tô transbordando sentimentos, angustias, palavras, medos, saudades, alegrias. Tudo se mistura e ferve dentro de mim. S ã o tempos estranhos. Por vezes me sinto vazia e confusa, mesmo tendo tanto e meu lugar seguro no mundo.  Meu aniversário está chegando, e com ele meu tempo de reflexão é mais intenso. Avalio o que quero levar comigo e o que quero deixar para trás no meu (re)nascer. É tempo para mais emoção  e empatia, menos argumentos racionais. É tempo para explorar mais a fundo o meu mundo interior. Isso tem sido uma constante em minhas noites. O último mês me cercou de pessoas novas, também me trouxe de volta pessoas e sentimen

A Astrologa

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“É estranho estar feliz e triste ao mesmo tempo. E depois nenhum dos dois” Li essas palavras no post de uma de minhas amigas e então as palavras e sentimentos fizeram sentido.  Saí de casa quando a noite ainda fazia charme para o dia. Calcei as minhas botas que sempre jogam lama nas minhas pernas, vesti o meu casaco azul, aquele que tem bolsos grandes e peguei a sombrinha para manter as gotas de chuva longe dos meus cabelos. O prédio do outro lado do parque brilha em luz dourada, eu me pergunto de onde vem aquela luz. Atravesso a rua e olho para trás, minhas novas lentes de contato se deparam com as chamas que queimam o céu em tons de rosa, laranja e azul. O nascer do sol mais bonito que vi. Tirei meu celular do bolso do casaco e filmei as chamas por dez segundos. Não pude me demorar, tenho pavor em me atrasar.  Estou um pouco instável, procurando conforto nos romances em minha mesa e explicações na astrologia. Estou um pouco cansada, dormi durante a terapia e estou lutando para contin

Hey, Caçador.

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Hey, caçador.   Experiente caçador.    O que você gosta nesse desafio?   Seria mais fácil se você tivesse alcançado o meu corpo, em vez de minha mente?  Porque quando não é mais conveniente e empolgante, você apenas deixa pra lá.   Quando foi a última vez que você sentiu frio na barriga?   Nós sabemos que não poderemos levar isso para o próximo level. Então porque eu ainda estou aqui, esperando por você dizer as palavras?  Eu quero falar com você cara a cara, mas prefiro me sentar aqui no escuro. Isso pode ser para sempre, mas não será. Nós nem nos preocupamos em lutar.   Você diz “ouça garota” e, então, “minha querida”. Você me coloca na mesma posição de uma criança insolente, depois no lugar de alguém especial.  Você levou de mim tudo que quis e por muitas vezes me tirou o fôlego. Eu estou tentando fazer isso claro em minha mente, não pensar em todas as vezes em que você me deixou de joelhos no chão. Eu não deveria deixar você chegar tão perto. Mas quando você sorri, eu sinto isso co

Maria

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Me lembro de minha avó, Maria.  Pedaço de pano amarrado à cabeça.  Os cabelos, às vezes num coque,  às vezes, presos sobre os ombros,  torrando café.  As mãos sujas de carvão do fogão à lenha,  girando o pedal da engenhoca,  que a fazia suar. Passava muito tempo ali,  hora torrando café,  hora fritando a carne para a família grande,  quase vinte pessoas.  Pobre, Maria. Passava as costas da mão pelo rosto  à secar os pontos de água,  limpando as gotas na roupa.  Impaciente que era,  não tinha tempo pra conversar,  mantinha as mãos ocupadas,  para não sentir a dor que carregava na alma,  já que dizia nunca saber ser feliz.  Pobre, Maria. O calor enchia a casa grande,  cheiro quente e confortante.  Era moído por um de nós,  que brigávamos para moer os grãos naquele quartinho minúsculo  cheio de carne em latas,  todos os dias de manhã.  Ela passava o café, então começava a cozer o almoço.  Na roça, tudo tem hora,  o estômago vazio não pode esperar pelo relógio.  O trabalho é pesado, corta