O Poço




Era uma vez um homem e uma mulher que tiveram nove filhos. A familia morava numa casa grande em uma fazenda bem distante. Todos os dias, o pai e seus quatro filhos se levantavam muito cedo e iam trabalhar no campo. Enquanto a mãe e suas cinco filhas ficavam na casa cuidando dos afazeres domésticos, dos animais e do pomar. 

A rotina de todos os dias era a mesma, mas não naquele dia.

Era fim de tarde de um dia frio, o jantar já estava sendo cozido no fogão à lenha. Os homens haviam chegado do campo havia pouco, alguns ainda retiravam os sapatos na área dos fundos, quando os cinco cachorros da fazenda começaram a latir ferozmente. O filho mais novo bradou:

- Silêncio!

Os latidos continuaram. Os cachorros se mostravam inquietos, correndo de um lado para o outro com as orelhas eriçadas em sinal de ataque. Incomodado com os latidos, o pai saiu para ver o que estava acontecendo.

- O que está acontecendo aqui? 

Assim que contornou a casa para ver o que era, ficou paralisado. Do outro lado da cerca, há apenas cinco metros de distância de onde se encontrava, estava o monstro mais horrendo que já vira. 

Metade homem, metade lobo, o monstro era enorme e tinha pelos pretos por todo o corpo. Seus dentes eram grandes e sujos, e da boca aberta caia baba. Havia sangue no que parecia ser um focinho. Os olhos vermelhos estavam enraivecidos. O uivo alto pegou o pai de surpresa. O monstro estava pronto para atacar. 

Tropeçando nos próprios pés e cambaleando para trás, o pai correu em disparada para dentro, gritando:

- Monstro! Peguem as espingardas! 

Assustados, toda a familia saiu para ver o que estava acontecendo. 

- Oh, meu Deus! 

- Que monstro é esse? 

- Que Deus nos proteja!

Todos diziam ao mesmo tempo.

Desesperado, o pai subiu descalço no fogão à lenha para pegar a arma que ficava guardada no alto, próxima do telhado. O temor era tanto, que nem se deu conta das queimaduras que surgiram ao pisar na chapa de metal quente. Em questão de segundos, pulou no chão e correu para o quintal. 

Em um piscar de olhos, o monstro pulou para o lado de dentro da cerca e atacou um dos cães. A luta era feroz. 

Alguns choravam, outros gritavam, o pai atirava a esmo, tentando matar o monstro. Assim que finalizou com o cão, a coisa foi em direção a filha mais velha do casal. 

A jovem gritava e chorava copiosamente, mas suas pernas não se moviam. Dois dos outros filhos também começaram a atirar. Os cachorros atacaram ao mesmo tempo, alguns foram atingidos pelas balas, caindo no chão sem forças. O sangue escorria da boca do monstro.

O pai, aterrorizado pela ideia de perder sua filha, se lançou em direção ao monstro com toda a força que tinha. Mas antes mesmo que pudesse dar o primeiro golpe, a pata com unhas pontudas lhe cortou o rosto, fazendo com que perdesse a visão do olho direto. O homem caiu de costas no chão, levando a mão ao rosto e gritando de dor. Aproveitando o momento, a coisa começou a abocanhar a perna do fazendeiro. A cada chocalhada de sua cabeça gigante e horrenda, o corpo do pai era arrastado de um lado para o outro. 

Vendo aquela situação, a mãe ficou fora de si, e em seu desespero, pegou o facão de cacau e pulou nas costas do monstro. Era uma mulher pequena e leve, mas de força tremenda. Irado pelo ataque surpresa, a coisa soltou o fazendeiro e com as duas patas gigantes, tentava arrancar a mulher de suas costas, machucando-a com suas unhas. A luta ficava cada vez mais feroz, o mostro cambaleava de um lado para outro, atordoado, até que tombou para trás. 

De repente, tudo ficou em silêncio. Por alguns segundos ninguém soube como reagir. 

Da boca do monstro saiu um ganido alto de dor, quando o facão lhe atravessou o peito.

Silêncio novamente.

Uma voz familiar atingiu os ouvidos de todos.

- Me perdoe, filha. Eu estava faminto.  

Com o corpo ensanguentado e as roupas esfarrapadas, a mulher saiu debaixo do monstro que ja começava a se transformar em homem, em seu amado pai. Aos prantos, ela deu um soco na cara do pai, que fraco do golpe do facão, desmaiou. 

Naquela noite, ninguém conseguiu dormir. As feridas doíam e os jovens estavam muito assustados. As portas foram trancadas e a cada hora um dos filhos montava guarda armada.

O corpo do velho tinha sido acorrentado e jogado na cisterna da casa. Vez ou outra um grunhido alto de dor ecoava do poço.

Na manhã seguinte, o poço foi fechado com camadas de madeiras, tijolos e cimento, e ninguém mais tocou no assunto. Mesmo que por vários dias eles puderam ouvir os gritos, o choro e pedidos de perdão.

Fim.


Comentários

  1. Estória macabra e sinistra. Adorei!

    Boa semana!

    O JOVEM JORNALISTA está no ar com muitos posts e novidades! Não deixe de conferir!

    Jovem Jornalista
    Instagram

    Até mais, Emerson Garcia

    ResponderExcluir
  2. Eita atrás de eita.
    Seu texto me fez pensar em quais situações da vida o perdão não é válido. A literatura sempre nos colocando em movimento reflexivo.

    Um beijo,
    Fernanda Rodrigues | contato@algumasobservacoes.com
    Algumas Observações
    Projeto Escrita Criativa

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. o texto ficou ainda melhor que já é depois deste comentário. eu amei esse ponto.

      Excluir
    2. E sabe qual a coisa mais legal nesse texto? Ele e baseado numa historia real que meus avos, tios e minha mae sempre contam, pois aconteceu com eles.

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Trinta e Três Voltas Ao Redor Do Sol

Arte é um processo

Tragédia da Vida Moderna